terça-feira, 30 de outubro de 2012

A sabedoria dos canibais

Em 1582, Nicolas Durand de Villegagnon, o líder da expedição naval que tentou fundar no Brasil a França Antártica, levou três caciques tupinambás à corte do rei Carlos IX. Montaigne estava presente e a visita originou o ensaio Dos em ritual de antropofagia retratado por Thodore de Bry: Montaigne desafia o senso comum.Canibais. Em vez de manifestar horror aos costumes dos indígenas, o que seria esperado de um intelectual católico, o pensador comparou-os aos europeus e concluiu que os supostos selvagens lhes são superiores graças à coerência com a própria cultura, à dignidade e ao senso de beleza. Os verdadeiros selvagens, segundo ele, eram os europeus, que estavam promovendo banhos de sangue não só em suas conquistas na América como nas guerras religiosas. Sobre o encontro com os tupinambás, Montaigne narra duas observações feitas pelos índios, uma sobre a estranheza que lhes causava o fato de tantos homens adultos, barbudos e armados se submeterem à autoridade de uma criança (o monarca tinha então 12 anos) e outra a respeito de ter-lhes chamado a atenção de algumas pessoas na França eram visivelmente bem alimentadas, enquanto outras mendigavam na porta das igrejas. Diz o escritor que os visitantes perguntavam como os miseráveis “podiam suportar tal injustiça sem agarrar os outros pelo pescoço ou atear fogo em suas casas”.
Fonte: Revista Nova Escola – 09/2006